Em seu terceiro disco, o músico gaúcho aprofunda-se nas experimentações
Publicado em 18/07/2023
Atualizado às 18:18 de 28/08/2023
Lançando Tetein, seu terceiro álbum, Ian Ramil recebeu elogios do pernambucano Lenine e do uruguaio Jorge Drexler. Nada mais justo para o cantor, compositor e produtor gaúcho, ganhador do Grammy Latino de Melhor Disco de Rock com Derivacivilização (2015), seu segundo álbum. Antes dele, a estreia em 2014, com Ian.
Nascido em Porto Alegre (RS), Ian faz parte de uma família com bastante tradição na música, já que é filho do cantor e compositor Vitor Ramil e sobrinho dos integrantes da dupla Kleiton e Kledir. Ian desenvolveu sua trajetória com tanta personalidade que ela não chega a ser comparada nem com a carreira dos músicos da família.
Desde a estreia, dois pontos chamaram a atenção: a capacidade de criar boas canções e a visão atenta ao comportamento da sociedade. Com o passar do tempo e com a maturidade artística e pessoal, as canções de Ian Ramil foram ganhando novos contornos e sua veia pop recebeu pinceladas de experimentalismo. O discurso, por sua vez, passou a ser cada vez mais afiado e crítico, expondo de forma crua, e ao mesmo tempo poética, a degradação que tomou conta da humanidade e, principalmente, do Brasil. Isso fica claro na faixa “Artigo 5”, do álbum Derivacivilização, no qual Ian musicou o quinto artigo de nossa Constituição.
Após o lançamento do segundo álbum, o Brasil atravessou uma série de eventos calamitosos, culminando na ascensão de uma direita raivosa, que alçou ao poder um governo desconectado das necessidades da população. Completando o quadro, uma pandemia matou cerca de 700 mil brasileiros e brasileiras. Em meio a tudo isso, Ian tornou-se pai e a chegada de Nina, sua primeira filha, serviu de alento, trazendo luz às trevas e dando a partida ao projeto Tetein.
Neste novo álbum, Ian deixou de lado as guitarras e a bateria que deram o tom ao disco de estreia e, principalmente, a Derivacivilização, e passou a trabalhar mais com os silêncios e os beats, além de aprofundar-se nas experimentações. O álbum traz algumas paisagens sonoras, arranjos mais elaborados e repletos de dinâmicas interessantes, revestidos de texturas bem construídas e ricas em detalhes, como o arranjo de cordas escrito por Pedro Dom para a faixa título.
Das 12 canções, 11 foram escritas por Ian, sendo “Macho-Rey” uma parceria com Juliana Cortes (cantora e compositora paranaense, que teve 3, seu terceiro álbum, produzido por Ian); “O mundo é meu país” foi feita com Luiz Gabriel Lopes (cantor e compositor mineiro); e “Lego efeito manada” e “Homem-bomba” são parcerias com Poty (cantor e compositor gaúcho). “Canção de Chapeuzinho Vermelho”, parceria entre Braguinha e Francisco Mignone, aparece como vinheta cantada por Nina Ramil e serve de introdução para “Macho-Rey”, aqui mais experimental e contundente do que a ótima versão gravada por Duda Brack, em Caco de vidro, seu segundo álbum.
Em 39 minutos, intensidade e leveza convivem de forma harmônica, criando espaço para aconchego e surpresa. A estranheza que envolve o repúdio ao machismo e a uma série de preconceitos de “Mil pares” é colocada lado a lado com a singeleza de “Bichinho”; “Cantiga de Nina”, canção de ninar, que é aberta por um solo de fagote, dialoga com a frieza da crítica à escravidão tecnológica de “Homem-bomba”.
Mais do que dicotômico, o mundo em que vivemos é cheio de nuances e possibilidades e isso aparece de forma muito orgânica em Tetein, que, em toda sua multiplicidade, apresenta uma unidade impressionante, consequência da produção caprichada feita pelo próprio Ian.
Excelente observador e cronista do entorno, ao mesmo tempo que olha para dentro de si, buscando a melhor maneira de lidar com os desafios da vida na pós-modernidade, Ian Ramil pinta um retrato fiel da realidade concreta, sem deixar de abrir espaço para o lúdico e para a fluidez da poesia. Sendo um dos nomes mais criativos e talentosos da música popular brasileira contemporânea, na bem-sucedida empreitada de Tetein, Ian marca seu lugar de artista que é comprometido com a ARTE sem dar muita atenção para “tendências”, assim como ele mesmo diz em um dos versos da faixa título: “... nada de fake / foda-se o like / intimidade é bem maior...”.
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