Acessibilidade
Agenda

Fonte

A+A-
Alto ContrasteInverter CoresRedefinir
Agenda

“Elefante” fala do que não se pode esquecer

Peça selecionada pelo programa Rumos Itaú Cultural 2023-2024 aborda a invisibilidade das mulheres pretas no serviço doméstico

Publicado em 13/11/2024

Atualizado às 15:58 de 14/11/2024

por André Felipe de Medeiros

Projeto: Elefante (Rumos Itaú Cultural 2023-2024)
Proponente: Mariana Machado

Um problema evidente que ninguém quer confrontar ou mencionar: eis o significado da expressão “elefante branco”, uma figura de linguagem bastante conhecida por expressar tópicos ignorados por uma pessoa, um grupo ou pela sociedade em geral, por serem assuntos difíceis de discutir. Daí vem o título Elefante, peça teatral concebida pela atriz e dramaturga Beatriz Nauali, selecionada pelo Rumos Itaú Cultural 2023-2024. A narrativa aborda a negligência social enfrentada por pessoas negras no Brasil, principalmente as mulheres. O espetáculo tem direção de Diddìo Gonçalves e produção de Mariana Machado.

Fotografia colorida do espetáculo Elefante. Na cena, um ator e uma atriz estão de perfil com os braços esticados na horizontal, apontados para a câmera.
Elefante (imagem: Mau)

O espetáculo apresenta uma família que enfrenta o Alzheimer da matriarca, Célia, abandonada por seus parentes. Ela é visitada por seu neto, que desconhecia sua condição, e pelo vizinho Caim. Este, aliás, desconfia de que há uma presença invisível na casa: a figura de Xhosa, empregada doméstica da família. Dessa forma, o esquecimento faz parte das duas personagens femininas: uma perde a memória e a outra é esquecida por aquele grupo de pessoas.

“É como se as duas enfrentassem essa questão de maneiras opostas”, explica a autora. E acrescenta: “Uma passa por uma doença biológica que a faz esquecer; a outra, por uma doença social. Para mim, essa metáfora ganhou amplitude ao pensar em memória e esquecimento como uma questão social atravessada pela raça, e em como diferentes indivíduos lidam com a memória e o esquecimento”.

Fotografia colorida do espetáculo Elefante. Na cena, um ator e uma atriz estão com um de seus ouvidos apoiados no chão, como se estivessem escutando algo ressoar no chão.
Elefante (imagem: Mau)

Passado e presente

Elefante foi escrita em 2019, durante a graduação de Beatriz em artes cênicas. Na época, o Alzheimer já estava no centro da história, com uma personagem presa ao ciclo de agir, esquecer e repetir essas atitudes. “Uma mulher negra aparecia na peça, mas era uma personagem pouco complexa”, explica a criadora. “O mote da negritude ainda não estava firmado [na obra].”

A artista conta que, anos depois, o desenvolvimento da dramaturgia “acompanhou minha conscientização da minha própria negritude, o meu processo de entendimento enquanto mulher negra”. Esse processo aconteceu em 2023, quando Elefante foi escolhida para integrar uma coletânea de peças do grupo Entre Atlânticas, do qual Beatriz faz parte: “Quis radicalizar e trazer o elemento da negritude mais latente. Então, ele vem do modo como é agora, com a mulher negra como o elefante na sala, essa problemática sobre a qual ninguém conversa. E isso tomou outra proporção pensando em memória, ancestralidade, na conexão entre as pessoas negras e como nos defendemos dentro dos padrões estabelecidos pelo sistema branco europeu”.

Fotografia colorida do espetáculo Elefante. Na cena, um ator e uma atriz estão de perfil , cada um virado para um lado. Eles tem uma das mãos sob o rosto e a outra esticada na diagonal para cima.
Elefante (imagem: Mau)

Para Beatriz, a origem das pessoas pretas diz respeito “a como o lugar de onde você vem se manifesta cotidianamente na sua ética e no fazer artístico”. Ela ressalta que hesitou em escrever uma personagem negra como empregada doméstica, porque, em suas palavras, “isso é recorrente; as mulheres pretas são historicamente retratadas como estereótipos de subalternidade, e essa profissão não é valorizada no Brasil”. Ainda assim, a decisão de explorar essa ideia veio da intenção de abordar a escravidão moderna e “a exploração desses corpos para o serviço doméstico”. “É uma história social, porque não estamos falando de uma só empregada, mas de um coletivo e de temas maiores com base na vivência daquela mulher naquele espaço”, pontua a dramaturga.

Demarcações no espaço

Com a dramaturgia já finalizada, Elefante está em processo de materialização pelo grupo Entre Atlânticas. Com direção de Diddìo Gonçalves, o primeiro desafio, nesta etapa, foi entender como Xhosa ocupa o espaço cênico, já que ela não é enxergada pelas demais personagens, ainda que seja vista pelo público. Uma característica que se manteve do texto original é o fato de o elenco ser formado por duas pessoas negras e duas pessoas brancas, visivelmente separadas umas das outras.

Paralelamente à montagem da peça, o grupo busca trabalhar na construção de público nas áreas da Grande São Paulo onde o espetáculo será apresentado, principalmente na região da Bacia do Juqueri. “A questão do território marca tanto a minha construção artística quanto a do grupo”, conta Beatriz. “Queremos trabalhar Elefante em Francisco Morato, Franco da Rocha e Caieiras, além da região do ABC. Desde o princípio, o objetivo do projeto tem sido conectar territórios periféricos para sairmos um pouco do centro e podermos dialogar com as comunidades onde essa história pode ter uma representação mais significativa”, explica a artista.

Fotografia colorida com quatro pessoas sentadas em um banco posando para a câmera. Em cada ponta do banco há um homem e ao centro duas mulheres.
"Desde o princípio, o objetivo do projeto tem sido conectar territórios periféricos para sairmos um pouco do centro e podermos dialogar com as comunidades onde essa história pode ter uma representação mais significativa" (imagem: Mau)
Compartilhe