Delicadeza, calma e conexão com o sagrado
Publicado em 15/10/2024
Atualizado às 10:08 de 17/10/2024
Limpando e abrindo os caminhos de outubro, as plataformas digitais trouxeram-nos o presente Arruda, alfazema e guiné, novo álbum de Alvaro Lancellotti. Egresso de uma família musical, da qual fazem parte seu pai, Ivor Lancellotti, e seu irmão, Domenico Lancellotti, o cantor e compositor carioca, radicado em Lisboa, é fundador e integrante do projeto “Pra Gira Girar, uma celebração a’Os Tincoãs”; fundador e ex-membro do grupo Fino Coletivo, com quem lançou quatro álbuns (inclusive, o último, Carnaval dos espíritos, foi assunto desta coluna no ano passado); e tem em sua discografia Mar aberto, de 2008; O tempo faz a gente ter esses encantos, de 2012; e Canto de Marajó, de 2016.
Arruda, alfazema e guiné carrega a beleza e a suavidade costumeiras dos trabalhos de Alvaro Lancellotti e nos mostra seu aprofundamento na seara afro-brasileira, com uma maior aproximação ao sagrado. Além disso, ele também incorpora elementos da filosofia do ioga, conferindo à espiritualidade contida nas canções um ar de felicidade plena.
Alvaro é o autor das 12 faixas, incluindo "A calma", uma parceria com Mateus Aleluia, um dos integrantes do espetacular trio Os Tincoãs; "Canção de paz", em parceria com Fernando Temporão; "Templo de luz", com Alan De Deus; "Eru", em colaboração com Domenico Lancellotti e Bruno Capinan; "De Luanda a Aruanda", outra parceria com Domenico; e "Ando de bando", em parceria com Ivor Lancellotti.
Na primeira faixa, "Abre os caminhos", Alvaro leva-nos para dentro do álbum fazendo a saudação ao oráculo africano, Ifá, orando por sorte, benção e realização – “Iboru Iboia Ibosheshe”. A beleza do texto e o arranjo dão o tom do que teremos pela frente, com o lindo toque de ilu e atabaque e com os sopros criando uma ambiência aconchegante. Na sequência, todo o repertório é de grande valor, destacando-se "A calma", faixa lançada como single, que conta com a participação especial de Mateus Aleluia na voz; a “benjorniana” "Maneira de ver", com um ótimo diálogo do violão com os sopros; "Canção de paz", um ijexá embalado por um cuidadoso arranjo de sopros e pela guitarra portuguesa de Davi Moraes; "Templo de luz", que traz as vozes de Michele Leal e Alan De Deus, ao lado de Alvaro, emulando o trabalho que fazem no projeto "Pra Gira Girar"; "Diambas e dendê", com sopros que remetem aos arranjos de mestres, como Moacir Santor e Letieres Leite; e "De Luanda a Aruanda", em que Alvaro é acompanhado pela voz e pelo piano “afro-jobiniano” de Zé Manoel (outro companheiro de "Pra Gira Girar").
Para dar corpo a esse cancioneiro, Alvaro montou um núcleo formado por Adriano Sampaio nas percussões; Domenico na bateria, MPC e percussão; Guto Wirtti no baixo; e Pedro Costa na guitarra e violão. Além deles, contou com o reforço dos sopros de Diego Gomes (responsável pelos arranjos de trompas), Marlon Sette e Dirceu Leite; e Ferran Tamarit na percussão. Michele Leal aparece também com sua voz em "Poço negro" e no coro, ao lado de Alan De Deus em "As folhas secas do pajé" e "Eru".
Na produção, Alvaro dividiu a tarefa com Pedro Costa e Adriano Sampaio; Mario Caldato Jr. foi o coprodutor; e Diogo Gomes assumiu a mesma função nas faixas "Maneira de ver" e "Diambas e dendê". O álbum saiu pela Amor In Sound, editora comandada por Mario Caldato Jr. e Samantha Caldato.
Criativo e seguro na construção de sua obra, em Arruda, alfazema e guiné, Alvaro Lancellotti soma influências, como “Krishnanda”, obra-prima de Pedro Santos, a religiosidade das músicas dos terreiros de umbanda e candomblé e a fase acústica e inicial de Jorge Ben Jor, vibrando frequências positivas e chamando atenção para a delicadeza, a calma e a conexão com o sagrado, questões de suma importância em uma era em que a frivolidade e a aceleração a todo custo ditam a ordem das coisas.
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